quinta-feira, 27 de setembro de 2007

PCB EM FRANCA

Clayton Romano
Historiador – Professor Substituto vinculado ao
Departamento de História (Unesp/Franca)

Era realmente uma situação estranha. Uma cidade com
tradição operária sem traços salientes da tradição
comunista. Assim era Franca até ontem.

Sem dúvida, a forte presença do chamado "novo
sindicalismo" na organização dos trabalhadores
francanos desde o início da década de 1980,
especificamente os da indústria de calçados,
contribuiu decisivamente para que eventuais marcas
deixadas pelos comunistas perdessem seu significado
histórico. A velocidade impressionante com que muitos
atores daquele movimento sindical organizaram seu
partido político e chegaram ao Paço Municipal, no
intervalo de apenas uma década, denuncia a extensão do
petismo na cidade. Somando-se a isso outros aspectos
conjunturais, tais como o colapso do "socialismo real"
e a própria consolidação da hegemonia petista no
interior da esquerda brasileira, de fato, os
comunistas em Franca não tinham chance alguma.

Portanto, não causa espanto que a iniciativa de se
restabelecer o Partido Comunista Brasileiro (PCB) na
cidade ocorra neste exato momento; afinal, existem
condições objetivas.

Hoje, o Partido dos Trabalhadores (PT) esgotou seu
ciclo original de vida. Ao assumir o governo federal,
o PT completou o arco de sua trajetória, iniciada e
construída nas trincheiras da oposição; o que não
significa dizer que o partido tenha esgotado seu
projeto histórico ou perdido sua relevância política.
No plano nacional estas são questões que somente o
tempo poderá respondê-las. Porém, em Franca esse tempo
já passou e pelo visto não foi em vão...

O refluxo do petismo na cidade é evidente. Após a
inesperada vitória em 1996 e um governo "apenas"
frustrante – tendo em vista toda a expectativa gerada
em torno do primeiro "governo dos trabalhadores" na
história francana –, o Partido dos Trabalhadores
encontrou sérias dificuldades para reeleger Gilmar
Dominicci quatro anos depois e, em 2004, não elegeu o
sucessor. Longe de pretender demarcar aqui toda a
série de contradições anotadas pelos petistas durante
o período, atualmente não parece nenhum um exagero
entender Franca como um retrato – monográfico e
específico – do "pós-petismo". E neste caso, o
restabelecimento do PCB na cidade pode mesmo ser
recebido como uma de suas conseqüências mais
promissoras.

Reunidos no PCB – sua original (25/3/1922) e legítima
expressão partidária –, os comunistas brasileiros são
detentores de extensa tradição nas lutas democráticas
e populares do país, sempre pautados pela construção
de uma sociedade justa e igualitária. Em Franca, seus
novos artífices darão prosseguimento a esta tradição
se posicionarem o Partido Comunista Brasileiro num
posto privilegiado, donde lhe seja permitido orientar,
organizar e dirigir uma alternativa programática de
esquerda para a cidade – e não somente do ponto de
vista eleitoral.

Para tanto, é preciso que os comunistas francanos: a)
se dediquem ao estabelecimento imediato de um diálogo
aprofundado com vários setores e classes sociais, com
outros partidos, sindicatos, organizações e movimentos
sociais; b) estimulem a constituição de "fóruns de
unidade" em todos os segmentos e áreas de atuação do
PCB, buscando concentrar esforços em lutas unitárias;
c) sistematizem as demandas apresentadas de modo geral
pela sociedade, particularmente aquelas oriundas das
classes populares, com vistas à elaboração de
políticas públicas e pautas de reivindicação; d)
utilizem todos os meios de comunicação e de formação
disponíveis para difundir princípios, debater idéias,
cobrar responsabilidades e propor ações, com especial
atenção para a Internet, o que não excluí a urgência
na publicação de um jornal e/ou periódico.

Decorrente deste conjunto de ações simultâneas e
interdependentes, a formação política dos sujeitos
envolvidos pode em médio-longo prazo render ao PCB de
Franca a premissa reservada por Gramsci ao partidos
modernos; e talvez seja mesmo a consagração da
concepção gramsciana de "intelectual coletivo" o real
desafio dos comunistas francanos, isto é, reconhecer
como sua a responsabilidade de retirá-la da teoria e
instituí-la na prática.

E aqui novamente a questão democrática se coloca
diante do PCB; questão que atravessou o século passado
e permanece incógnita aos comunistas do 21.

Será possível lutar pela emancipação de todos
explorados pelo capital e seu sistema, em meio à
parafernália eletrônica e à individualização
progressiva nas relações sociais, sem que os
comunistas se dediquem efetivamente ao aprofundamento
da democracia em todos os níveis da sociedade?

Será possível conquistar postos avançados na luta pela
hegemonia política, bem como se empenhar na realização
plena dos interesses proletários - cuja finalidade,
todos sabem, é a superação da própria condição de
exploração entre homens e mulheres, entre capital e
trabalho -, sem que os comunistas estejam
integralmente envolvidos à agenda democrática do país
(isto é, com sua práxis orientada para o
fortalecimento das instituições da República, forçando
seu alargamento até que se consolide a presença das
massas; para a reivindicação do acesso proletário ao
mundo da cidadania, ao mundo dos direitos; para os
embates eleitorais, vistos não como mera tática, mas
utilizados como palcos privilegiados para o necessário
e urgente diálogo dos comunistas com a sociedade;
etc.)?

Por enquanto, o PCB de Franca deve rejeitar o
sectarismo infantil e a conveniência da crítica fácil.
Sua consolidação enquanto organismo dependerá em curto
prazo da capacidade de análise e da consciência de
seus atos, palavras e bandeiras.

Somente nestes termos será possível pensar o PCB como
uma força dirigente e aglutinadora da esquerda na
cidade.

26 de setembro de 2007

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